LIÇÕES NEANDERTAIS PARA O FUTURO

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Os Neandertais (Homo neanderthalensis) formaram uma imensa população de coletores-caçadores que viveu principalmente no oeste da Eurásia entre 400 mil e 40 mil anos trás.  Ao todo, os Neandertais existiram neste planeta por muito mais tempo que nossa espécie: quando os Homo sapiens surgiram, eles já andavam por aqui há mais de 100 mil anos. Julgando pela distribuição de seus fósseis, os Neandertais cobriam uma área de aproximadamente 10 milhões de km2 – uma extensão de terra equivalente ao Brasil e à Argentina, somados.

Nós, os Homo sapiens, convivemos com eles por mais de 250 mil anos, e durante este tempo nos encontramos e cruzamos repetidas vezes – com tal intensidade que, hoje, cerca de 20% do genoma Neandertal ainda circula entre os humanos modernos. De um ponto de vista estritamente genético, podemos dizer que Neandertais ainda não foram completamente extintos: compartilhamos com eles 99,7% de nosso DNA.

Revisitando os Neandertais

O século XXI representou um ponto de virada em nosso entendimento sobre estes nossos primos nem tão distantes assim. Anatomicamente, os Neandertais eram baixos – calcula-se em torno de 1,65 m de altura –, mas incrivelmente robustos e musculosos. Em seus habitats, eram os predadores-ápex, e obtinham a carne de sua dieta principalmente por meio da caça. As evidências sugerem que caçavam em bando, utilizando machados e lanças armadas com pontas de pedra, mas sua dieta era bem variada, incluindo vegetais, peixes e frutos do mar.

Os Neandertais eram nômades e pouco se empenhavam na confecção de utensílios domésticos, ainda que dominassem a tecnologia do fogo e possuíssem cérebros grandes: o volume médio do cérebro de um H. neanderthalensis era de cerca de 1.600 cm3. O cérebro do Homo sapiens tem um volume médio de 1400 cm3.

Análises utilizando técnicas de reconstrução de imagem mostram as áreas cerebrais envolvidas com a atenção, a capacidade de memória, a flexibilidade cognitiva e a fala eram tão desenvolvidas nos Neandertais quanto as nossas.  Se eles conversavam entre si, é um mistério não resolvido, mas registros fósseis e arqueológicos mostram que utilizavam pigmentos de óxido de ferro para decoração pessoal, ajuntavam penas de pássaros, transportavam conchas marinhas consigo e enterravam seus mortos. Não sabemos ainda se estes comportamentos eram funcionais e/ou simbólicos, porém eles certamente evidenciam uma capacidade cognitiva bem mais avançada que a clássica figura estereotipada de “homens das cavernas”.

Não obstante, os Neandertais não avançaram no uso da tecnologia que dispunham, tampouco existem registros de expressões artísticas produzidas por eles. A diversificação no uso de materiais e na cultura só ocorreu por volta de 40 mil anos atrás, acompanhando a expansão dos humanos modernos pelos seis continentes. Por que os Neandertais não foram capazes de dar este salto?

Pesquisas recentes mostraram que os H. neanderthalensis possuíam cerebelos relativamente menores que os nossos. Um cerebelo maior está associado à sofisticação cognitiva e social, incluindo capacidade para tomadas de decisões melhores, melhor processamento da linguagem e melhor memória de trabalho. As diferenças na organização neuroanatômica do cerebelo provavelmente resultaram em diferenças críticas para criatividade, inovação e adaptação ao meio – uma vantagem para nós, uma desvantagem letal para os Neandertais como espécie.

Lições para o Futuro

Parece estranho constatar que os Neandertais, com corpos perfeitamente ajustados ao clima frio da Eurásia após mais de 300 mil anos de pressões evolutivas, foram substituídos em um curto intervalo de tempo pelo Homo sapiens, cujos corpos se desenvolveram na atmosfera tropical e subtropical da África subsaariana. A despeito das várias investigações, o debate sobre se os Neandertais foram extintos devido a mudanças climáticas ou pela competição de seus habitats com os humanos modernos ainda não chegou a uma conclusão.

Qualquer que tenha sido a causa específica do desaparecimento dos Neandertais, o fato é que a série histórica da Natureza não possui um artigo afirmando que os Homo sapiens representam o término da escala evolutiva dos hominídeos.

Todos os humanos modernos compartilham um ancestral comum que viveu há mais de 300 mil anos do Leste da África, e boa parte da variação genética observada nas populações humanas atuais ocorreu nos últimos 50-70 mil anos, quando emigramos de nosso berço na África. É por isso que apresentamos uma unidade genética maior que qualquer espécie. Além disso, ostentamos características fisiológicas que nos permitem adaptar de maneira bastante eficiente às mudanças no ambiente.

A habilidade de cozinhar alimentos nos concedeu uma flexibilidade dietética muito maior que aquela de chimpanzés, bonobos, gorilas e orangotangos. Nossos corpos são capazes de acumular reservas de gordura proporcionalmente maiores que quase todos os demais animais vivos. Nossos cérebros desenvolveram conexões excepcionalmente competentes para lidar com a linguagem e a comunicação. Essas e outras características têm permitido aos humanos responder às adversidades ambientais sem a necessidade de realizar mudanças genéticas por pressões da Seleção Natural.

Boa parte dos estudos atuais que avaliaram as operações da Seleção Natural foram conduzidos utilizando espécies de reprodução rápida, como a mosca das frutas (Anastrepha spp.). Os humanos, entretanto, possuem vidas bem mais longas e se reproduzem bem mais lentamente, tornando complicado demonstrar mudanças genéticas entre nossas gerações. Apenas duas gerações humanas se passaram desde a descoberta da estrutura do DNA. Como avaliar mutações em um período tão curto?

Ainda assim, existem boas razões para acreditar que o Homo sapiens não parou de evoluir biologicamente e terá que enfrentar as pressões da Seleção Natural no futuro, exatamente como os Neandertais enfrentaram, mas essas pressões terão uma configuração peculiar: o apertão da Seleção virá atrelado à nossa capacidade para lidar com os sistemas sociais, econômicos e culturais que engendramos, e com as mudanças climáticas (antropocêntricas ou não) que afetarão as áreas agrícolas que atualmente são as mais produtivas.

Os fósseis e a crônica da extinção dos extraordinários Neandertais apresentam qual será a saída para sobrevivermos às ameaças a caminho: teremos que ser mais inteligentes, criativos, flexíveis e inovadores do que somos hoje. Ou assumimos este confronto, ou alguma outra linhagem animal um dia narrará nossa saga neste planeta sentada sobre os nossos ossos. Da minha parte, eu prefiro o desafio de mudar e continuarmos sendo a espécie que segura a caneta que escreve sua própria e fascinante história.

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Referências:

Roebroeksa W, Soressia M. Neandertals revised. Proc Natl Acad Sci U S A. 2016 Jun 7; 113(23): 6372–6379.

Kochiyama T et al. Reconstructing the Neanderthal brain using computational anatomy. Sci Rep. 2018; 8: 6296.

Stock JT. Are humans still evolving? EMBO Rep. 2008 Jul; 9(Suppl 1): S51–S54.

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