A MULHER-PERSÉFONE

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Perséfone, chamada de Cora pelos romanos, era filha de Zeus e Deméter. Tornou-se bem conhecida a partir do Hino para Deméter, escrito por Homero, onde o poeta descreve sua abdução por Hades.

Quando Deméter soube que Perséfone havia sido raptada pelo Deus do Submundo, a brava mãe lutou pelo retorno de sua filha, forçando Zeus a tomar uma atitude. Zeus então enviou Hermes, o mensageiro dos deuses, que encontrou Perséfone desolada no mundo inferior. Alegre e animada por estar sendo finalmente resgatada, Perséfone aceitou comer algumas sementes oferecidas por Hades, talvez como um sinal de despedida, dando adeus àquele lugar sombrio antes de partir na carruagem de Hermes.

Quando mãe e filha se reencontraram, Deméter questionou insistentemente se Perséfone havia comido algo no submundo. Perséfone lhe disse que Hades “a havia forçado violentamente a comer algumas sementes” – o que não correspondia exatamente à verdade.

Deméter aceitou entristecida esta versão da história: se Perséfone não tivesse se alimentado no submundo, ela teria podido permanecer para sempre no Olimpo. Contudo, tendo ingerido as sementes, ela agora seria obrigada a passar um terço do ano com Hades, no submundo, e dois terços do ano no mundo superior, com Deméter.

Devido a este acordo, Perséfone tornou-se Rainha do Submundo e, sempre que os heróis e heroínas da mitologia grega eram lançados aos reinos das profundezas, era Perséfone quem os recebia e guiava.

Quando Afrodite concebeu Adonis, Perséfone envolveu-se em uma contenda com a deusa do amor pela posse da criança: Afrodite entregou Adonis a Perséfone em um balaio, para que esta o protegesse. Ao abrir o balaio, a deusa do submundo encantou-se pela beleza da criança e recusou-se a devolvê-lo para sua mãe.

Basicamente, neste evento, Perséfone repetiu a sina da disputa pela posse de uma deidade assim como Deméter e Hades uma vez haviam feito com relação a ela – mas agora era ela a sequestradora. Quando soube da querela, Zeus interveio e determinou que Adonis passaria um terço do ano com Perséfone, um terço do ano com Afrodite, e no restante do tempo seria deixado por conta própria.

Apesar de não fazer parte do círculo dos 12 deuses do Olimpo, Perséfone era uma figura central nos Mistérios Eleusinianos. Por 2.000 anos antes da cristandade, os Mistérios eram a principal religião dos gregos, e representavam a experiência de retorno ou renovação da vida após a morte.

PERSÉFONE, A DAMA EM PERIGO

Ao contrário de Hera e Deméter, que representam arquétipos profundamente associados aos instintos, a personalidade de Perséfone carece dessa força. Se o arquétipo Perséfone é o dominante em uma mulher, ele irá predispô-la não a agir, mas a ser conduzida pela vontade de outros.

Perséfone representa a indecisão adolescente perpétua, sem saber ao certo quem ela é ou o que ela quer, sempre em busca, seguindo para onde sopra o vento e esperando que algo ou alguém apareça para transformar sua vida.

A mulher-Perséfone sustenta uma qualidade juvenil. Ela tem uma aparência mais jovem que a idade que possui e um ar de “cuide de mim” – que pode persistir até a meia idade ou mais além.

A característica de Rainha e Guia do Submundo representa a capacidade da mulher-Perséfone em mover-se para frente e para trás, alternando percepções bastante vívidas do mundo real com as realidades psiquicas de seu arquétipo.

DILEMAS, RELACIONAMENTO E SEXO

Antes de ser sequestrada por Hades, Perséfone era uma criança-mulher, inconsciente de sua sensualidade e beleza. Esta inconsciência pode persistir durante a idade adulta e, apesar de gostar de ser apreciada pelos homens, faltará à mulher-Perséfone um viés de paixão selvagem e ela quase sempre será – inicialmente – anorgásmica.

A capacidade inata de acolhimento da mulher-Perséfone a torna bastante maleável, quase uma camaleoa. Ela tentará fazer o que estiver ao seu alcance para atender às expectativas das pessoas que gosta, e esta característica a fará conformar-se em ser o que um homem quer que ela seja. Em um relacionamento, ela será uma tenista amadora sofisticada frequentando clubes refinados, acompanhando seu parceiro; no relacionamento seguinte, ela estará na garupa de uma moto fazendo uma viagem em comunidades alternativas; no terceiro, ela irá se fazer de pura e ingénua para agradar seu novo consorte.

A receptividade deste arquétipo não é de todo negativa e pode ser exatamente o tipo de qualidade que muitas mulheres precisam cultivar. Isto é especialmente verdadeiro para as mulheres-Atena e as mulheres-Ártemis, que possuem o hábito de saber o que querem e perseguir suas metas com um foco intenso. Esses dois arquétipos femininos frequentemente não se saem bem quando são acometidos por dúvidas sobre como ou quando agir, ou quando precisam decidir sobre o que deve ser colocado no nível máximo de prioridade. Para ter essa clareza, elas precisam cultivar a habilidade de Perséfone, uma deusa que sabe esperar que a situação mude ou que seus sentimentos se tornem mais evidentes.

A aptidão para ser aberta e maleável também são atributos que as mulheres-Deméter e as mulheres-Hera precisam desenvolver – especialmente quando estão bloqueadas em suas expectativas (Hera) ou na convicção de que sabem o que é melhor (Deméter). A atitude receptiva para com outras pessoas pode ser desenvolvida conscientemente, dispondo-se a ouvir e sentir a perspectiva de outras pessoas, ouvindo seus pontos de vista sem julgamentos ou críticas.

O casamento é algo que “acontece” na vida de uma mulher-Perséfone. Ela é “abduzida” para dentro do matrimônio quando um homem a convence a dizer “sim’. Se ela for uma Perséfone típica, não terá muita certeza de que quer se casar, e se sentirá convencida pela insistência do homem e influenciada pela suposição cultural de que o casamento é o que se espera dela.

Por natureza, as mulheres-Perséfone tem uma personalidade “tradicionalmente feminina”. Eles são receptivas ao invés de ativas, e não são nada competitivas ou arrogantes. São os homens as escolhem – não o contrário.

Uma vez casada, a mulher-Perséfone poderá passar pelos vários estágios do mito, começando pelo papel de a noiva contrariada aprisionada entre as vontades do marido e de sua mãe. Não raramente, o recém-marido de uma mulher-Perséfone descreve os dramas do casamento dizendo: “Ela me trata como se eu fosse responsável por arruinar sua vida, quando tudo que fiz foi apaixonar-me e querer casar com ela. Ela me acusa de tratá-la como uma serva, e fazemos amos apenas quando eu a procuro e, mesmo assim, ela age como seu a estivesse possuindo à força”.

O fato é que uma mulher-Perséfone, no auge de seu arquétipo, é incapaz de assumir um comprometimento pleno com seus desejos ou com quem quer seja. Mas um relacionamento também poderá ser um evento transformador através do qual a eterna menina se tornará uma matriarca (Hera), uma mãe (Deméter) ou uma mulher sexual (Afrodite), dependendo de qual novo arquétipo for ativado pela experiência.

A MULHER-PERSÉFONE E SEUS PAIS

O vinculo materno é especialmente poderoso neste arquétipo. Ela anseia em agradar sua mãe (Deméter) e isto a motiva a ser uma “boa menina” – obediente, subserviente, cuidadosa, atenciosa e frequentemente temerosa de qualquer experiência que apresente a menor possibilidade de risco.

O pai de uma mulher-Perséfone em geral é controlador e também fomenta o caráter de dependência da filha, encorajando-a a agir como uma Cinderela à espera do principe encantado. Passividade, dependência e falta de auto-consciência estão no centro deste arquétipo.

Quando criança, a típica Perséfone é quieta, obediente, cautelosa, bem comportada, eventualmente introvertida, gosta intensamente de vestidos alegres e da cor rosa. Sua mãe em geral se preocupa mais com o risco dela cair e se machucar, ao invés de comemorar os primeiros passos da filha. Quando a criança está tentando algo por conta própria, a mãe sempre lhe diz: “você deveria ter me perguntado primeiro” – uma mensagem que significa “espere sempre por ajuda”. E Perséfone cresce dependente.

Os pais costumam interpretar o comportamento introvertido da jovem Perséfone como timidez, e podem empurrá-la para atividades e comportamentos sem permitir um tempo para que ela descubra suas próprias preferências. Pressionada para tomar uma decisão, a pequena deusa fará o que a outra pessoa está sugerindo, ao invés de resistir – e aprenderá a ser ainda mais passiva.

PERSÉFONE E OS HOMENS

Com relação aos homens, a mulher-Perséfone mantém uma atitude de criança-mulher, juvenil e pouco assertiva. Três categorias de homens são atraídos por mulheres-Perséfone: homens que são tão jovens e inexperientes quanto ela; caras durões e experientes, que são seduzidos por sua inocência e fragilidade; e homens que se sentem desconfortáveis com mulheres maduras.

A relação com um homem pode ser o meio pelo qual a mulher-Perséfone tenta separar-se de sua mãe dominadora. Ela se apaixonará por alguém que sua mãe não aprova, diferente do “sujeito jovem e legal” que sua mãe tinha em mente para ela. Esse sujeito pode ser de uma classe social ou uma raça diferente. A mãe fará objeções quanto à personalidade dele: “Ele é arrogante, rude e desagradável, sempre tentando fazer valer apenas o ponto de vista dele!”. O homem escolhido provavelmente será o primeiro em sua vida a não tratá-la como uma princesa mimada, e não irá tolerar seus dramas. A mãe da mulher-Perséfone irá atacá-lo, tentará diminuir seu caráter, sua personalidade, seus antecedentes, sua competência e sua moral. Talvez os pais proíbam a jovem Perséfone de se encontrar com seu pretendente, e ela irá concordar incialmente, apenas para desafiá-los abertamente mais tarde – e fugir para encontrar-se com seu amante.

Após alguns atritos, o pretendente irá exigir que Perséfone confronte sua mãe ou desista de viver em prol da aprovação materna. Ele irá pedir que ela venha viver com ele, que se case com ela, que deixe sua cidade e mude-se com ele, ou mesmo que não mantenha mais qualquer contato com sua mãe. Presa neste dilema, a mulher-Perséfone irá retornar para sua mãe, domesticada e obediente, ou assumirá seu romance, rompendo seu vínculo com a mãe.

Se ela – literal ou figurativamente – afastar-se da mãe, poderá começar sua jornada para tornar-se um ser humano pleno e autônomo. Todavia, isto poderá ser feito às custas de trocar a mãe por um homem excessivamente dominador. Felizmente, tendo desafiado sua mãe, ela em geral muda de maneira irremediável e jamais será a pessoa complacente de antes. A reconciliação com a mãe ocorrerá mais tarde, após a mulher-Perséfone ter conquistado sua independência emocional.

É importante observar que o arquétipo Perséfone significa vestir a fantasia da eterna menina que não se compromete com qualquer coisa ou com qualquer pessoa – pois tomar uma decisão definitiva eliminaria todas as demais possibilidades. Uma mulher presa neste arquétipo acredita que terá todo o tempo do mundo para decidir o que quer e, assim, pode se dar ao luxo de ficar esperando por algo que venha em sua direção. Ela vive em uma Terra do Nunca, como Wendy, Peter Pan e os Garotos Perdidos, brincando à deriva pela vida.

Para crescer, a mulher-Perséfone deve fazer a opção de Wendy: dizer adeus a Peter Pan e retornar à Terra pela janela do quarto das crianças, sabendo que agora irá envelhecer. Este limiar psicológico se apresenta como a disposição para assumir compromissos e todas as consequências deles.

A mulher-Perséfone tem dificuldade em dizer sim e seguir em frente até o final com o que quer que tenha decidido fazer. Respeitar prazos, terminar a faculdade, assumir sua cota de responsabilidade dentro de um relacionamento, criar um filho ou manter-se em um emprego, estas todas são tarefas difíceis de encarar para alguém que acredita que veio a este mundo apenas para se divertir.

Entre os 30 e 40 anos de idade, a realidade atinge a mulher-Perséfone, destruindo sua ilusão de que será jovem para sempre. Ela pode começar a perceber que algo está errado. Se ainda não teve filhos, sentirá soar o alarme do relógio biológico. Seu emprego poderá perder o sentido pela falta de perspectivas para o futuro, e ela se olhará no espelho e perceberá o peso dos anos sobre sua beleza.

Algumas mulheres-Perséfone nunca se casarão – ou aceitarão o matrimônio, mas jamais assumirão a totalidade desse compromisso. Do seu ponto de vista, o casamento é a morte, o sequestro do Olimpo e a ida para o Reino do Submundo. Esta é uma interpretação diametralmente oposta daquela que Hera faz do casamento: para Perséfone, seu marido não é Zeus, o deus dos deuses, mas Hades, o sequestrador nefasto.

Quando retornou do Submundo e reencontrou-se com sua mãe, Perséfone foi questionada por Deméter: “Você comeu alguma coisa no Submundo?”. Perséfone respondeu que havia ingerido algumas sementes e então mentiu, dizendo que havia feito isso apenas porque Hades a havia forçado. Com esta resposta, Perséfone pode fazer o que bem queria, sem comprometer a imagem que sua mãe tinha dela. Ao dar a impressão de que não tinha qualquer controle sobre seu destino – e, portanto, não poderia ser responsabilizada pelas consequências de suas escolhas -, ela de fato determinou sua sina.

Mentira, dissimulação e manipulação são chagas típicas de uma mulher-Perséfone. Sentindo-se impotente e dependente de outros que considera mais poderosos, ela aprenderá a obter o que deseja de modo indireto. Ela esperará pelo momento de agir, ou empregará elogios para desarmar defesas, ou contará apenas uma parte da verdade, ou mentirá descaradamente para evitar um confronto.

A mulher-Perséfone não quer que os outros tenham raiva dela. Ela se sente dependente da generosidade e da boa vontade de terceiros. Por isso, frequentemente tratará sua mãe, seu pai, seu marido, seus professores e seus empregadores como patrões que devem ser cortejados para ganhar graças.

O narcisismo é outra chaga relevante: mulheres-Perséfones podem ser tão intensamente fixadas em si mesmas que perdem a capacidade de se relacionar com outras pessoas. Suas perguntas são dominadas por questões egocêntricas: “Como estou? Estou bonita o bastante? Pareço inteligente o bastante?”. Sua energia é direcionada para maquiagens, roupas e acessórios. Ela passa horas na frente do espelho. As pessoas existem apenas para fornecer-lhe superfícies onde ela espera contemplar seu reflexo indefinido.

A mulher-Perséfone é suscetível a depressão devido à sensação de isolamento, à inadequação e ao autocriticismo. Se por um lado uma mulher-Deméter, quando deprimida, faz com que todos à sua volta se sintam culpados, impotentes ou irritados, uma mulher-Perséfone tende a se fechar, retraindo-se com uma flor que murcha. Ela se sente culpada por sentir-se deprimida – deve ter sido algo que disse ou que fiz, ela pensa. Consequentemente, uma mulher-Deméter deprimida é uma presença imensa plantada bem no centro da sala de estar, ao passo que a uma mulher-Perséfone deprimida é uma pequena caixa perdida na prateleira mais inacessível em algum quarto nos fundos.

Para fugir da realidade, ela poderá criar universos próprios e flertar com a psicose. Ela imagina mundos com imagens simbólicas e esotéricas, e passa a nutrir percepções distorcidas de si mesma. O transtorno psicótico pode servir como uma ferramenta de metamorfose, uma maneira de quebrar as proibições que limitam sua vida.

Para crescer para além do arquétipo, a mulher-Perséfone deve assumir um compromisso sem cruzar os dedos mentalmente, esperando contar com a sorte, seja esse compromisso da esfera íntima ou profissional. Ela deve encarar sua vida como uma responsabilidade particular, e aprender a tomar conta de si mesma.

Para muitas, essa oportunidade aparece pela primeira vez após o divórcio. Elas eram filhas superprotegidas que se casaram com maridos super-protetores, e o divórcio pode ser a primeira vez em suas vidas onde se encontram por cona própria. Ela poderá divorciar-se por ver o casamento como um cativeiro. O matrimônio não foi um veículo de transformação, mas agora ela vê o divórcio como um rito de passagem. A necessidade se torna uma grande professora: ela descobrirá que tem de trabalhar, encarar seus demônios internos e buscar sua forma particular de equilíbrio.

Compreender as nuanças do arquétipo Perséfone facilitará sobremaneira sua convivência com uma mulher cuja personalidade apresenta um predomínio deste traço.  O crescimento exigirá dela uma luta contra a indecisão, a passividade e a inércia. Ela deve assumir uma posição assertiva e resiliente quando sua escolha deixar de ser divertida. Possuindo entendimento e sabedoria, seu papel como parceiro poderá ser o de um facilitador neste cenário, auxiliando-a na evolução de sua feminilidade plena.

 

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1 – A Mulher-Atena

2 – A Mulher-Ártemis

3 – A Mulher-Afrodite

4 – A Mulher-Perséfone

5 – A Mulher-Deméter

6 – A Mulher-Hera

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