A TÁBULA RASA E A HEREDITARIEDADE DA INTELIGÊNCIA

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Você provavelmente sabe – ou constatará após uma rápida pesquisa – que a frase “O Homem é bom, mas a sociedade o corrompe” é atribuída ao filósofo suíço Jean-Jacques Rousseau.

Pois bem:

Nos séculos XVI e XVII, com o desmoronamento das últimas pedras do Feudalismo e sob as pressões do surgimento do Capitalismo, obras como “Elogio da Loucura” (Erasmo de Rotterdam, 1509), “Utopia” (Thomas More, 1516), “O Príncipe” (Maquiavel, 1532), “Leviatã” (Thomas Hobbes, 1651) e “El Criticón” (Baltasar Gracián, 1651) passaram a afirmar que a natureza humana era essencialmente perversa e nociva. “O homem é o lobo do próprio homem”, escreveu o dramaturgo romano Plauto, 200 anos antes de Cristo – e este conceito foi amplamente popularizado por Hobbes e outros pensadores do início da Idade Moderna.

Entretanto, a partir do Iluminismo e com a descoberta de selvagens nus, frugais e “tranquilos” no Novo Mundo e em várias ilhas do Pacífico, a ideia do “bom por natureza” – ou do “bom selvagem” – voltou a ganhar corpo, culminando com obras que louvavam a natureza humana como inerentemente benévola. Mais tarde, este seria um tema recorrente em obras como “O livro da selva” (Rudyard Kipling, 1894) e “Tarzã” (Edgar Rice Burroughs, 1914). O Iluminismo mudou a concepção de nossos instintos: deixamos de ser lobos instintivos, e passamos todos a ser ovelhas naturalmente afáveis.

Aqui vale um parêntese: apesar de Rousseau ter sido um grande defensor e propagador da ideia do “bom selvagem”, e ter defendido que são as instituições que estragam a humanidade, a citação exata “O Homem é bom, mas a sociedade o corrompe” aparece em nenhum lugar de suas obras. O que mais se aproxima disto é “O homem é bom por natureza”. Ainda assim, estas exatas palavras – e o sentido explícito de que nossa deterioração Moral seria obra da sociedade – não foram escritas por Rousseau, mas pelo padre e teólogo francês Pierre-Denis Boyer (1766-1842): na obra “Défense de l’ordre social contre le carbonarisme moderne: avec un jugement sur M. de La Mennais considéré comme écrivain, et une dissertation sur le romantisme, Volumes 1-2” (Le Clere, 1835), mais precisamente na página 18, Boyer credita a citação “L’homme est bon par nature” a Rousseau, mas estas são palavras Boyer, não de Jean-Jacques. Então, por uma questão de honestidade, deveríamos debitar este aforismo na conta do padre, e não do protocomunista genebrino.

Se você observar com cuidado, perceberá que todos os pensadores citados expressam uma ideia em comum, a de que não somos uma Tábula Rasa como proposto por John Locke e, de maneira indireta, pelo Materialismo Histórico de Marx e Engels. A defesa de que o conteúdo específico de nossa mente e de nossa Inteligência se origina estritamente de estímulos do ambiente e de conflitos da sociedade não encontra suporte à luz da Ciência moderna. Sejamos bons ou maus, lobos ou ovelhas, selvagens ou civilizados, o fato é que boa parte da programação para nossa capacidade de cognição não é 100% adquirida: uma parcela considerável do modo como escolhemos nossos comportamentos parece nascer conosco.

De fato, o mundo organiza e injeta em nós incontáveis sentidos e propósitos, e, por isso, por muito tempo, o que chamamos de Natureza Humana era nada além da capacidade de absorver cultura. Mas tanto este conceito quanto a noção da Tábula Rasa foram provados estar absolutamente equivocados: a Inteligência presente em nós é capaz de desenvolver sua própria coleção de raciocínios, motivações, compreensões e circuitos regulatórios profundamente individualizados que, não raramente, seguem na contramão do ambiente e da cultura em que estão inseridos.

Bem antes do Iluminismo, a ideia de que trazemos estes “aplicativos cognitivos” inatos já havia sido defendida pelo pensador chinês Mêncio (372-289 a.C.). Segundo Mêncio, os humanos nascem capacitados com quatro “sentimentos naturais” que nos orientam para o bom caminho: a Compaixão, o Arrependimento, o Respeito e a capacidade para Arbitrar sobre o Bem e o Mal. Incrivelmente, os postulados milenares de Mêncio caem como uma luva nos estudos genéticos na Inteligência.

É muito simples: algo nasce pronto em nossa natureza. É assim que nos tornamos instintivamente capazes de perceber o belo em si e o bom em si, como sugerido por Platão. E, especificamente com relação à Inteligência, o cérebro humano deve chegar ao mundo pelo menos munido de estruturas que o capacitem para a Inteligência. Afinal de contas, 1,5 kg de melancia não possui potencial para aprender muita coisa – mas 1,5 kg de cérebro humano funcionante, sim.

Uma vez que a Inteligência não tem como ocorrer na ausência de mecanismos que a causem, então estes mecanismos devem ser inatos da arquitetura de nosso cérebro. Na verdade, eles devem estar presentes antes mesmo que o cérebro se forme, orientando a maneira como o próprio cérebro irá ser montado. E o único fator não transcendental capaz de preencher este requisito seriam os genes. E é igualmente fantástico perceber como um chinês na distante Dinastia Zhou foi capaz de antecipar com tamanho acerto o que Gregor Mendel (1822-1884) só iria começar a desvendar mais de 2000 anos mais tarde.

 

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