PENSE DENTRO DA CAIXA, NÃO FORA DELA

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Vou te fazer uma pergunta e quero que responda com sinceridade antes de continuar a ler. Em uma escala de 0 a 10, quanto você diria que conhece o funcionamento da privada do seu banheiro?

Agora tente explicar o funcionamento, desde o momento onde você aperta o botão da descarga, até o final do processo, onde a água desce rodando no vaso e depois vai para o esgoto. Como funciona a descarga por dentro? De onde vem a água? Para onde vai? Como ela fica sempre parada no mesmo nível? Por que a privada não transborda?

Se eu fizesse a pergunta inicial novamente, você mudaria sua escala para baixo? Se for o caso, não se preocupe. A não ser que tenha formação em hidráulica ou algo do gênero, dificilmente conhece de verdade o funcionamento de uma privada.

E não é só com privadas, mas existem milhares de outros objetos que vemos e usamos no dia-a-dia que não sabemos como funciona, embora acreditamos piamente que sabemos. Esse é o fenômeno psicológico da ilusão da explicação profunda.

Isso ocorre quando você erroneamente superestima seu conhecimento sobre algo. O experimento acima foi realizado por Rozenblit e Keil, psicólogos de Yale, que provaram que pessoas ficam com a impressão errada de que conhecem um objeto a fundo justamente por terem familiaridade com ele.

O motivo é que raramente nosso conhecimento é posto à prova. Portanto, por que deveríamos perder tempo tentando entender as coisas, quando podemos viver bem sem isso? O pior é que conseguimos disfarçar de nós mesmos a dimensão da nossa ignorância. Não à toa, a melhor forma de aprender algo é ensinando, já que te força a pensar a fundo sobre o assunto.

E se eu te pedisse agora para desenhar uma bicicleta, será que você conseguiria?

Tenta fazer e depois compara com uma de verdade. Garanto que o resultado será totalmente diferente. Duvida? Philip Fernbach, PhD em Ciência Cognitiva, fez esse teste. Muitas pessoas sequer sabiam onde ficava o pedal! Veja alguns dos resultados abaixo.

Sei que parece engraçado e você provavelmente se acha imune ao efeito. Entretanto, dentre as várias coisas ruins que a ilusão da explicação profunda traz, uma das piores é que impede com que você seja mais criativo.

Pense dentro da caixa, e não fora dela

Em certo ponto de um banquete comemorativo pela descoberta da América, Cristóvão Colombo desafiou os demais presentes a colocar um ovo de galinha de pé, sobre uma das suas extremidades. Eles podiam usar tudo que normalmente há de disponível em uma mesa de jantar, desde que o ovo ficasse sozinho de pé.

Seja criativo, como você faria isso? Tente solucionar antes de continuar a ler.

Provavelmente, a primeira coisa que você pensou foi em usar um garfo, faca, guardanapo ou qualquer outra coisa para ajudar de alguma forma. Certo? É o que faz mais lógica, afinal, um ovo não consegue ficar em pé sozinho. Ou consegue?

Como ninguém conseguia descobrir, Colombo mostrou a solução: bateu o ovo contra a mesa de leve, quebrando um pouco da casca, de forma que ele se achatasse e pudesse ficar de pé.

A solução para o problema pode parecer simples, e até óbvia, considerado que agora já sabemos como fazer. Mas se ainda não soubéssemos a resposta, provavelmente ficaríamos horas pensando em como usar alguma coisa para equilibrar o ovo. Por que?

A explicação é que para a criatividade funcionar são necessários limites!

Todos nós temos limitações das mais variadas. Filhos para cuidar, deficiências físicas, restrições geográficas, falta de dinheiro… Entretanto, isso não é ruim como pode parecer. Pelo contrário, é impossível ser criativo se sua mente não estiver cercada de limitações. De Leonardo Da Vinci a Paul McCartney, alguns dos maiores inventores e artistas do mundo só compuseram suas principais obras por causa disso.

Se não existe obstáculos na sua vida, por que então você precisa ser criativo? Da mesma forma que um caçador só vai trabalhar porque sente fome, uma pessoa só é criativa porque tem problemas para resolver.

Você certamente já ouviu a expressão “pensar fora da caixa”. Ainda que ela seja usual, suas consequências podem ser desastrosas, uma vez que incentiva pessoas a serem criativas de forma desestruturada e sem seguir padrões.

Com isso, acabam fazendo analogias a fatores que não têm nenhuma relação ou só vão complicar o processo. Ou seja, as pessoas passam a buscar soluções externas, quando, na realidade, deveriam estar pensando dentro dos limites do próprio problema.

Mas como buscar soluções internas quando sequer se conhece os fatores envolvidos? Queremos ir para o avançado quando mal dominamos o básico.

O que nos trava de encontrarmos novos conhecimentos é o medo de enfrentarmos a realidade. Quando não admitimos que não sabemos como funciona alguma coisa, mesmo sendo muito familiar à nossa vida ou ao nosso trabalho, estamos nos bloqueando de poder aprender mais sobre isso e utilizá-la para encontrar soluções criativas.

Por isso que é sempre mais fácil buscar respostas externas para um dilema.

Como disse certa vez o escritor Joseph Campbell: “a caverna que você teme entrar é a mesma que guarda o tesouro que você busca”.

Portanto, o caminho para sermos mais criativos é através da definição de limites, onde devemos ter o conhecimento de tudo que cerca o problema antes de mais nada. Como em um quebra-cabeças, use somente as peças que estão disponíveis.

Mas cuidado: pensar dentro da caixa não significa deixar a caixa fechada. Esteja sempre aberto a aceitar boas ideias e trazê-las para a sua caixa, mas sempre moldando à sua realidade.

Uma das causas da ilusão da explicação profunda é a divisão do trabalho cognitivo. Sim, sei que parecem ser nomes muito complicados, mas é simples de entender. Há milênios, quando o ser humano parou de ser nômade e começou a se fixar em torno de cidades, também passou a se especializar em tarefas.

Ou seja, ninguém mais precisa saber um pouco sobre tudo para viver. Você não precisa saber fazer sapatos e o sapateiro não precisa saber plantar comida. Basta que cada um se especialize e faça trocas para que a sociedade seja melhor.

É isso que uma criança começa a entender depois dos 4 anos. Ela já compreende que um médico a faz não ficar doente e um fazendeiro produz o leite que ela bebe. Portanto, se já existe alguém fazendo isso, por que deveria se preocupar em entender como funciona?

Aí que está o grande impacto negativo na criatividade. Durante toda nossa vida acadêmica, da escola à faculdade, nunca somos incentivados a entender como e por que as coisas acontecem.

Mais do que isso, os poucos jovens que destoam e fazem questionamentos são reprimidos e incentivados a ficarem calados. Os que tentam agir diferente e erram são punidos ou ridicularizados. Igualmente com os que admitem que não sabem algo. Issoaumenta ainda mais o medo de tentar.

É na infância que deveríamos estimular que crianças errem e aprendam. Mas é justamente nessa fase que erros são desestimulados. E não estou dizendo que errar é ser mais criativo. Mas se você não estiver preparado para errar e se decepcionar, nunca conseguirá criar algo original e autêntico.

Portanto, enquanto deveríamos inspirar crianças a entenderem como funcionam as coisas ao redor delas, estamos fazendo o exato oposto, dizendo “é assim e pronto”. Se surge um problema que não conseguimos resolver, crescemos acreditando que é porque não temos conhecimentos suficientes sobre mais coisas. Não porque não temos conhecimento suficiente sobre o que já estamos familiarizados.

É por isso que surgem expressões como “pensar fora da caixa”. Afinal, após anos sem estímulo à reflexão, quando finalmente precisamos solucionar problemas no trabalho, não sabemos como pensar e onde buscar recursos e soluções. Buscamos lá fora uma resposta que está aqui dentro.

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Iniciei minha primeira empresa aos 17 anos, no ramo de compra e venda de eletrônicos usados. Em 2011, participei da criação do programa Light Recicla, que revolucionou a gestão de resíduos sólidos no país, ajudando milhares de pessoas carentes no RJ e reduzindo a quantidade de desvios ilegais de energia. Em 2013, fui contemplado por uma bolsa de estudos da Ernst Young, a qual me possibilitou realizar missões de consultoria em pequenas empresas e startups na Espanha e Vietnã. Em 2014, fui explorar o potencial do Centro-Oeste brasileiro, me tornando sócio de uma startup de construção civil. O início de 2016 marcou surgimento da Skala Consulting, após os fundadores identificarem uma deficiência crônica na gestão de processos em empresas de todos os tamanhos. ✔ Acesse o site www.danielscott.com.br e o canal Daniel Scott no Youtube, meus espaços educativos que objetivam proporcionar experiências autênticas em gestão, carreira, produtividade e desenvolv. pessoal. ✔ Sou sócio da Skala Consulting, consultoria que fornece análise e perícia na gestão de processos e eficiência operacional para empresas de diversos setores. ✔ Estou ativamente interessado em participar do desenvolvimento de novos negócios e disseminar o conhecimento de empreendedorismo no Brasil e no mundo. ✔ Adoro ajudar pessoas com energia, entusiasmo e vontade de crescer. Me fascina participar do processo de desenvolvimento de empresas.

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