TUDO TENDE AO MÉRITO

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Mesmo em um país iletrado como o Brasil, bibliotecas públicas com conhecimento e cultura gratuitos existem nas cidades mais precárias. Além disso, até pessoas mais pobres tem celulares com planos de internet, pré ou pós pagos, com acesso irrestrito a todo tipo de informação e formação.

Existem faculdades públicas, cursinhos públicos, supletivos públicos, formação profissionalizante e técnica públicas. Sem contar as privadas que oferecem gratuidade em algumas formações, empresas que ganham incentivos para oferecer formação gratuita e diversas instituições não governamentais que oferecem caminhos para formação pessoal e profissional, gratuitos.

Existe conhecimento acessível para que qualquer um possa buscar informação, basta possuir o mínimo de esforço pessoal e se livrar da preguiça. Basta ler, filtrar conteúdo, acessar os sites. Se inscrever nos programas, fazer os cursinhos. Online, presencial, EAD. Existem canais inteiros no youtube dedicados a profissionalização e capacitação de pessoas. Existem canais inteiros voltados pra você que estuda em escola pública e sente que suas aulas são insuficientes (e são mesmo).

Você sabia que o seu pacote de dados, consegue baixar e visualizar na sua tela conteúdo de estudo? Que a apostila que você precisa estudar pesa bem menos que o novo clipe do Kondzilla, em termos de consumo de internet?

Mas não, né. A culpa do seu fracasso é da sociedade. A culpa do seu fracasso não é sua. A culpa da sua miséria é da fatalidade da História, não das suas escolhas pessoais diárias.

Mesmo que diversas pessoas saiam do mesmo nicho que você todos os dias, mesmo que pessoas vençam todos os dias nas mesmas condições que você… mesmo assim, a culpa não é sua, não é mesmo?

O problema é que um discurso como esse meu, num lugar mais sério, seria visto como inspirador e motivacional. Mas aqui, entre nós, você está pensando em problematizar as diversas lacunas que eu deixei sem preencher sobre as pirâmides sociais, não é? Aqui, é melhor lacrar. Aqui, existe um certo ganho social em ser vítima. Aqui, falar de mérito é quase como falar de estupro.

Claro. A culpa é da sociedade. Ela corrompe. Ela esmaga. Ela subtrai oportunidades. Não é mesmo? Eu concordo. A sociedade é cruel e desigual. A sociedade é monstruosamente desumana e as desigualdades são avassaladoras.

Mas dar razão pra você seria diminuir o valor do cara, que saindo do mesmo lugar que você, conseguiu fazer o que você não teve disposição.

E ai, como ficamos? Será que eu posso ir ali dizer pro pai de família garrado vendendo goiabas no carrinho de mão que eu acho que você tem razão de ser vítima? Que o esforço é inútil? Será que dá pra ir ali dizer pra ele que o mérito pessoal não existe? Será que eu posso dizer pra esse menino no farol que tá tudo bem se ele quiser meter uma fita, que tá okayzão ele fazer as escolhas erradas porque a sociedade oprime?

Eu não posso inverter os valores dessa forma. Valor é pra quem tem. Não é valoroso escolher o caminho errado. Existe uma romantização do crime e da vida bandida como destino inescapável, como se o cara que me assalta possuísse consciência social que eu, o privilegiado, não. Como se o cara que mete um canivete na garganta de uma senhora voltando do trabalho não fosse só uma pessoa que, diante da possibilidade de apenas estar na merda, resolve SER uma.

Eu continuo com os vencedores. É neles que eu acredito. É na mãe que abre um negócio ou no pai que pega o ônibus fedido e mal cuidado pra trabalhar e sustentar a família no caminho da honestidade, sem precisar roubar. Eu acredito no cara que estuda e se esforça, mesmo sabendo que as oportunidades ali são mais escassas. Eu estou do lado da menina que escolhe ler o livro e enriquecer o vocabulário em vez de colar na laje do bandido pra mexer a raba até o chão – e acabar como um pedaço de carne exposto ao sol. Eu acredito em quem entende que a vida precisa mudar, os ciclos precisam ser quebrados e nada é determinante do destino da gente a não ser a morte. Eu acredito em quem tá careca de saber que o salário mínimo é uma vergonha, mas prefere isso a roubar.

Eu acredito em quem nasce na merda, mas não faz parte dela.  Porque da mesma forma que a corrupção existe no topo, pois as pessoas são podres por dentro, existe a corrupção embaixo pela mesma razão: Escolhas.

E você pode até argumentar que é mais difícil pro cara que tá fodido e sem visibilidade alguma. Pra esse cara, é mais fácil roubar que arrumar um emprego. E eu concordo que é difícil. Mas o fato dele ser vitimado da sociedade não avaliza suas decisões erradas. Enquanto houver pessoas na mesma situação fazendo a escolha CERTA, escolher errado vai continuar sendo optar por SER a merda, em vez de apenas estar de passagem por ela.

Veja novamente lá em cima nesta postagem a foto do cara vendendo goiaba. Ele tem mais valor que todos os que resolvem entrar para o crime. E não tem discurso que me tire isso de ideia.

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Felipe Lacerda Bicalho é escritor, autor do livro Tudo Tende ao Tédio, e muito gentilmente cedeu seu texto para ser publicado em ManhoodBrasil. Para contato, troca de ideias e aquisição de seus livros, acesse o perfil https://www.facebook.com/felipelacerdabicalho.

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