A PSICOLOGIA DA CIÊNCIA MORAL E POLÍTICA

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(um ensaio sobre as bases e as consequências mentais e sociais do Estatismo Totalitário Esquerdista, por Marcelo Ferreira Caixeta, psiquiatra)

As regras morais têm base no que é útil, no que é bom ou no que é justo? Razão e emoção jogam qual papel na determinação da moral? O filósofo alemão do século XVIII , Immanuel Kant, estudou exaustivamente esse problema em livros como Crítica da Razão Pura, Fundamentação da Metafísica dos Costumes e Metafísica dos Costumes.

Kant concluiu que a Moral tem de ser uma Lei Racional independente das coisas práticas& empíricas da vida – ou seja, a Moral não deve ser dependente do que é útil, ou belo, ou agradável. Ela não pode depender do que é experimentado ou vivenciado, mas sim do que é raciocinado. Isto está na base do conceito de Imperativo Categórico: seus atos devem estar de acordo com uma Lei Universal. Por que ele procedeu dessa maneira?

Para Kant, todos nós temos uma consciência moral inata, uma Lei Moral que não sabemos de onde vem. É uma Lei que está sempre a julgar nossos atos, impedindo-nos de prejudicar alguém. De fato, há, sim, uma tendência inata dos indivíduos para comportarem-se de acordo com um maior ou menor grau de moralidade. Todavia, essas tendências, apesar de racionalizadas no momento atual, têm uma base emocional-prazerosa em suas origens. Essa base emocional da Moral perde-se na linha do tempo, e o indivíduo não tem mais noção dela, olhando para dentro de si e achando que sua Moral tem uma origem puramente racional-inata.

Mas Kant não defende apenas essa base empírica ( “olhar para dentro e ver uma moral inata dentro de si’) para considerar a moral como algo primário, algo não baseado nas emoções e na experiência. Ele tem outros dois “inconscientes”: um motivo ânsio-obsessivo e um motivo estético-intelectivo.

A ANSIEDADE E A OBSESSÃO KANTIANA

Kant tem uma necessidade premente de remover a Moral do campo empírico-utilitário-emocional e colocá-lo no campo do racional, do absoluto, do volitivo, do necessário, do não-contingente, do não-temporal. Ele, porém, não tem uma consciência muito explícita dessa necessidade.

Kant é nitidamente um indivíduo com uma estrutura obsessiva do pensamento. Na estrutura obsessiva, o controle racional é muito importante: o controle e a ansiedade “pensando lá na frente”, controlando racionalmente as variáveis que podem “causar problemas no futuro”.

A obsessividade não é algo primariamente patológico: a natureza dotou nosso cérebro com mecanismos naturalmente obsessivos para que possamos acompanhar e prever o que vai acontecer no Universo. Quando podemos prever, podemos prevenir – é assim que “pensa a Natureza”. Muitos de nossos comportamentos racionais-morais têm como base a prevenção de “coisas ruins” que podem ocorrer no futuro (“não vou largar minha esposa por outra mais nova porque não quero vê-la sofrer, não quero sentir falta dela, não quero ficar sem ver e conviver com meus filhos“, etc ).

Temos em nosso cérebro um mecanismo ânsio-obsessivo que nos capacita e nos induz para “acompanharmos o Universo” para onde o Universo caminha e evolui. Esse aparelho mental ânsio-obsessivo não deixa de ser racional, pois não vive aquelas situações de modo prático-empírico, vive-as apenas virtualmente-racionalmente. Esse aparelho racionaliza-previne o que vai acontecer; nesse sentido, é algo “teórico”.

Kant é muito obsessivo, é muito teórico, e tem muito gosto nisso, muito gosto na simetria, rigor e regularidade do que acontece e vai acontecer no Universo. É contra empirismos Relativistas, dai seu gosto pela normatização absoluta, um modo de aferrar-se ao conceito de Verdade, indo contra a “Relatividade Moral”.

Há um gosto estético e um prazer em racionalizar-obsessionalizar as coisas. Isso oferece uma sensação de domínio, de que estamos construindo algo racionalmente dentro do Universo. Uma sensação de potência, de plenitude, de segurança, e até de aconchego no meio do “seio de Deus”, por estarmos “trilhando o rumo seguro” e “fazendo a coisa certa”.

Quando controlamos com a razão, a segurança que sentimos é bem maior do que quando somos impelidos pela emoção. Este é um dos motivos pelos quais Kant tenta a Moral da emoção e passá-la para os braços da Razão: planejar racionalmente aumenta muito mais a força do espírito do que nos deixarmos guiar por reações emocionais. Planejar confere a impressão de que estamos trabalhando ativamente na construção de nossa existência e não apenas “sofrendo essa existência” de modo passivo e emocional.

Como sugerido, Kant não é um artista-emocional, é um racionalista-filósofo, e tem muito gosto nessa racionalidade ( “instinto laboral”). Assim, na construção de seu sistema filosófico, Kant precisa de causas racionais, não de causas empíricas-emocionais. Seu sistema , desde a Crítica da Razão Pura, é como um edifício sólido no qual não podem haver “furos não-racionais”.

Com a Fundamentação da Metafísica dos Costumes e com a Crítica da Razão Prática, Kant liga a racionalidade à vontade\volição. Desta forma ele ganha para si dois dos três “gigantes da alma” ( razão, volição, emoção ), mostrando que a Moral é uma vontade dirigida pela razão. E essa razão é baseada em “Leis Morais”, não em vivências emocionais-experienciais-empíricas.

OS 5 EQUÍVOCOS DE KANT

Para Kant, as Leis Morais são prescritas pela nossa própria Razão, com base em tendências morais inatas que trazemos em nós. Não obstante, Kant não explica como e de onde surgem essas tendências\Leis Morais dentro de nossa alma. Ele apenas relata, muito tímida e brevemente, que são inatas. O problema é que, quando o homem não cria suas leis, mas somente obedece leis morais já existentes dentro de si, ele passa a ter novamente uma posição passiva, algo que Kant não quer. E também, com as ideias inatas, voltamos a ser vítimas do inexplicável e do irracional.

Não há como fugir da emocionalidade na prática da Lei Moral. Sobre detalhes mais profundos sobre isso, ver o livro “Psiquiatria Forense da Consciência Moral” (Ed. Sparta).

Até para querer o bem dos outros precisamos da emoção: temos dentro de nós um instinto altruísta e gregário que nos faz ficar alegres quando fazemos os outros alegres. Refletir “especularmente” a alegria dos outros nos torna mais felizes. Portanto, agir para o bem dos outros não é algo assim tão racional como Kant quer fazer crer.

Para Kant, temos de querer o bem dos outros porque tudo que queremos para nós, devemos desejar para os outros. A causa disso é a Lei da Liberdade\Autonomia do espírito: só num mundo onde todos têm direitos iguais pode haver Liberdade, e só onde há liberdade o espírito pode ter autonomia; e só onde o espírito tem autonomia ele pode realizar-se na plenitude de suas evoluções. E só realizando-se a si mesmo é que o espírito pode fugir do determinismo físico-biológico-material. E, para Kant, só a fuga do determinismo físico-biológico-material consegue explicar nosso gosto pela liberdade, nossa capacidade moral de agirmos contra nossos próprios instintos, nossa capacidade de agirmos contra nossa própria biologia.

Todavia, Kant comete 5 erros em seu raciocínio:

Primeiro, o “erro” de considerar “todos iguais” (quando, na verdade, não somos todos iguais) deu origem a sistemas políticos esquerdistas degenerados em totalitarismos de igualdade, e tais sistemas tentam anular as liberdades individuais, levando ao oposto daquilo que Kant queria – a plena autonomia\liberdade do indivíduo.

Segundo somos de fato determinados pela biologia, como se mostra com a origem emocional-prazerosa da Moral. Mais informações sobre isso podem ser encontradas na obra citada,”Psiquiatria Forense da Consciência Moral”.

Terceiro: nossa liberdade é relativa. Só temos a liberdade de fazer aquilo que segue as Leis do Universo. Quando nossa liberdade individual nos leva a não fazermos o que está pré-determinado na Leis Evolutivas do Universo, nós estagnamos e sofremos.

Quarto: as Leis do Universo apontam no sentido da evolução e da complexificação. Se não sairmos de nós mesmos (egoísmo) em direção ao outro (altruísmo), nós não nos complexificamos. Portanto, mais cedo ou mais tarde, somos “obrigados” a amar, algo que está no âmbito da moralidade (querer aos outros o que queremos a nós mesmos). E se somos “obrigados a amar”, isto está fora da Liberdade e da Autonomia, caindo na esfera do Determinismo.

Finalmente, conforme Freud, a “liberdade” pode ser interpretada em dois sentidos : a liberdade do “ego” (instância psíquica mais evoluída ) e a liberdade do “id” ( instância psíquica mais primitiva).

O ego, que deseja o fortalecimento do espírito, rege-se pelo princípio do gosto pela eficiência e pela realização. Já o “id” rege-se pelo “princípio do prazer”.

O ego quer a liberdade de criar, realizar, construir. O id quer a liberdade do prazer.

Ambos são opostos, pois a liberdade do prazer encarcera a alma. Isso torna a “liberdade do ego” uma prisão para o id: ela não deixa que este realize prazeres que prejudicam os outros ou a si mesmo (o seu próprio corpo ou sua própria vida ). A “liberdade de criar”, a “liberdade de perseverar no próprio eu”, de moldar o próprio rumo com autonomia, também tem suas bases biológicas. Não é algo “suprasensível”, como Kant gostava de dizer. É, portanto, biologicamente determinada, ao contrário do que propôs Kant.

OS EFEITOS DO ILUMINISMO

Quando os iluministas colocaram a liberdade autônoma como base do sentimento de dignidade humana, não sabiam que estavam induzindo, com a “igualdade”, sistemas políticos que iriam redundar exatamente no contrário disso.

“Forçar a igualdade” produziu os horrores do comunismo. Tratar como iguais a todos como meras células de um corpo estatal levou aos terrores do totalitarismo.

Kant criou parâmetros extrabiológicos e suprassensíveis equivocados que levaram a imensos desastres políticos. A “igualdade” leva à uma diluição da Lei Moral, pois a igualdade é colegiada e não segue um princípio único. Decisões colegiadas produzem uma Moralidade condicionada por julgamentos, e pessoas que têm gosto pelo colegiado – e não pelo trabalho dominam o sistema político – terminam distorcendo as normas Morais, criando uma “moral relativística do que é votado”.

As normas extrabiológicas criaram a falsa ilusão de que “medidas racionais” podem dirigir os homens. E isso é bem aproveitado por homens que querem dirigir outros homens mais do que querem trabalhar e construir. Os aproveitadores se utilizam dessa justificativa kantiana para legitimar moralmente a obediência às suas normas suprassensíveis e extrabiológicas. Obedecer a um Estado é a mais perfeita consubstanciação disto, por reforça a falsa ideia de que é a liberdade e a autonomia permitidas pela equalização do Estado que nos faz “cidadãos”.

Ideias que têm pretensa base ou força moral são muito poderosas. A distorção kantiana nos faz esquecer o básico: somos biologicamente todos muito diferentes. A esta distorção juntou-se o “igualitarismo cristão” (“somos todos irmãos e iguais perante Deus”) para fortalecer o estatismo esquerdista. E, é claro, como sempre, dando a oportunidade ideal para que políticos ávidos se aproveitassem da situação Moral, mais uma vez.

É claro que devemos levar em conta também outras justificativas menos filosóficas: a “burguesia” precisava trabalhar (liberdade) sem as amarras dos poderosos, nobres, déspotas, reis, indivíduos autoritários e fortes. A busca filosófica da liberdade e da autonomia veio a calhar para que isso se tornasse legítimo.

Mesmo com regimes totalitários, ou sob o capitalismo selvagem, é possível ao indivíduo exercer sua “liberdade de evoluir”, pois essa liberdade não depende da economia ou das. É no âmago da alma do indivíduo que se trava a verdadeira batalha pela liberdade, que é a batalha pela libertação do ego em relação ao id. O eu evoluído, ou o “eu secundário”, o eu moral, libertando-se do eu primitivo-instintivo-prazeroso. Esta é uma batalha interna, não externa. Leis, Estado, Economia, não atingem diretamente essas instâncias. Sem embargo, é claro que um Estado libertário, não-despótico, ajuda nesse processo, não querendo moldar a moral individual, não querendo interferir na liberdade do indivíduo, liberdade tanto para pecar (involuir, estagnar) quanto para se santificar (evoluir).

O problema é que todo Estado interfere nisso, até aqueles pretensamente libertários: um Estado que tem sucesso em ser libertário é raríssimo, porque todas as realizações do Estado – até em tentar diminuir-se – só fazem aumentá-lo.

Aqui temos um paradoxo: o Estado que fala em diminuir-se, se tiver sucesso, irá aumentar seu poder do Estado. Se tiver fracasso, irá aumentar da mesma forma. Um governante que tem sucesso em diminuir o Estado quer continuar tendo sucesso à frente desse Estado, e aí, com essas manobras políticas, tudo fará para aumentar o poder do Estado, gerando o paradoxo.

A única solução possível consistem em a Sociedade Civil lutar todo o tempo para diminuir o Estado, diminuir a ação do Estado quando este interfere pejorativamente na capacidade do indivíduo em ser autônomo em suas decisões e iniciativas. Neste caso, a única função que sobraria para o Estado seria aquela da “prender os indivíduos que perturbam a liberdade\autonomia dos outros indivíduos evoluírem”. Mesmo assim, a própria Sociedade Civil disso também poderia se encarregar, com milícias próprias e presídios\hospitais psiquiátricos de custódia geridos\mantidos pela própria iniciativa privada. Economia , saúde, educação, segurança… tudo poderia ser muito bem gerido pela sociedade civil, sem o atravessamento do Estado.

Mas este nível de Libertarianismo só se concretizará com um gradativo e contínuo processo, não com um golpe de misericórdia. A luta contra a diminuição do Estado tem de ser geral e permanente, em todos os setores da vida civil. Só assim o indivíduo poderá ser verdadeiramente livre para evoluir ou involuir como assim o desejar, livre das garras do Estado e sua natureza de interferir e ferir as liberdades individuais. Ou livre até onde for possível ser livre.

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