COMO O JAPÃO SE TORNOU UMA NAÇÃO DESENVOLVIDA?

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Outro dia, estava assistindo O Último Samurai, um épico de guerra que conta a história do capitão Nathan Algren (Tom Cruise), um conceituado militar norte-americano que viaja ao Japão com seus traumas de guerra. A missão de Algren era ajudar o Imperador Meiji a se livrar dos últimos samurais que atuavam na região, permitindo ao país avançar rumo à industrialização.

Refletindo após o filme, não pude deixar de tentar fazer um paralelo entre Brasil e Japão. Afinal, como foi que o Japão se tornou uma nação desenvolvida? E exatamente o quê a grandiosa história japonesa teria para ensinar?

Com a dúvida na cabeça, aproveitei algumas horas de folga para ir atrás e estudar o assunto. Abaixo, segue um apanhado sobre o que descobri e aprendi a respeito. Espero que seja útil!

A RESTAURAÇÃO MEIJI

Quando Meiji (1852-1912), também conhecido com Mutsuhito, assumiu o trono, seu país era um dos mais isolados do mundo, um reino feudal e atrasado. Sob sua tutela, o Japão atravessou uma revolução política, industrial e social conhecida como Restauração Meiji, emergindo como uma das grandes potências mundiais.

A tática empregada por Mutsuhito para realizar tal façanha foi o bom e velho keynesianismo: com o mantra “Estado Rico, Exército Forte”, o governo inaugurou escolas com sistemas de educação baseados no modelo Ocidental; enviou alunos para os EUA e para a Europa; contratou milhares de ocidentais para ensinar ciência, matemática, tecnologia e idiomas; construiu ferrovias e estradas; promoveu reformas agrárias; e interferiu fortemente na economia financiando e direcionando empreendimentos da iniciativa privada.

A Restauração Meiji provocou uma onda de crescimento que inundou a primeira metade do século XX. Entre 1930 e 1945, grandes empresas como Toyota, Nissan, Hitachi, Toshiba e Isuzu floresceram a partir dos pesados investimentos estatais na indústria.

A SEGUNDA GUERRA MUNDIAL E O PÓS-GUERRA

Tudo ia mais ou menos bem nos ecos da Resturação Meiji até o advento da Segunda Guerra Mundial. Iniciado o conflito, o Japão tomou uma série de decisões equivocadas e posicionou-se ao lado das potências do Eixo.

A derrota humilhante devastou a economia e o brio dos japoneses, resultando na aprovação de uma nova Constituição Federal, em 3 de maio de 1947. Em seu artigo 9º, a nova Carta Magna dizia: “Aspirando sinceramente a paz mundial baseada na justiça e ordem, o povo japonês renuncia para sempre o uso da guerra como direito soberano da nação ou a ameaça e uso da força como meio de se resolver disputas internacionais. Com a finalidade de cumprir o objetivo do parágrafo anterior, as forças do exército, marinha e aeronáutica, como qualquer outra força potencial de guerra, jamais será mantida. O direito a beligerância do Estado não será reconhecido”.

Ao invés de se esconder em um canto para lamber as mágoas causadas pela amputação de um Exército, uma Marinha e uma Aeronáutica, o Japão optou por um caminho mais inteligente: quando a Guerra da Coreia estourou em 1950, os japoneses negociaram seu apoio aos EUA em troca de manter o mercado norte-americano aberto para a venda de produtos nipônicos, enquanto mantinham seu próprio mercado fechado para os produtos ianques.

O período pós-Segunda Guerra Mundial marcou a intensificação da migração dos trabalhadores rurais japoneses para os centros industriais urbanos. Por volta de 1955, 40% da força de trabalho estava empenhada na agricultura. Na década de 1970, eram apenas 17%. Em 2000, eram menos de 5%. Este movimento teve duas consequências diretas: como os agricultores, agora transformados em operários, aceitavam ganhar uma miséria, a balança produção / pagamentos foi bastante favorável para a economia, e a produtividade industrial subiu feito um foguete. A segunda consequência foi uma queda absurda na produção de alimentos e o quase desaparecimento das pequenas fazendas familiares. Atualmente, 61% das calorias consumidas pelos japoneses precisam ser importadas de outros países.

Alinhado aos interesses geopolíticos dos EUA durante os anos da Guerra Fria, o Japão prosperou sob o guarda-chuva da proteção militar dos norte-americanos, investido apenas 1% de seu PIB em gastos militares. Sabiamente, empregaram as sobras para turbinar a sua própria economia: com os ex-agricultores dando o máximo de seu suor no chão das fábricas, o PIB japonês cresceu incríveis 10% ao ano em média entre 1950 e 1973.

Outra lição ensinada pela derrota na Segunda Guerra foi o redirecionamento da devoção militar para a devoção à prosperidade econômica. A engenharia social exaltava a homogeneidade dos japoneses e como eles eram superiores a todos os outros povos. Para que o mundo soubesse dessa superioridade, eles precisavam abandonar as preocupações individualistas e não ligar para o alto preço que pagavam por bens e serviços dentro do Japão: este era um sacrifício pequeno para que as companhias japonesas fossem capazes de competir ombro a ombro com as multinacionais do Ocidente.

Além deste “voluntarismo compulsório”, o governo passou a encorajar a busca por uma “Sociedade de Bem Estar” ao invés de um “Estado de Bem Estar”, estabelecendo metas de pleno emprego. Havendo pleno emprego não haveria necessidade de o Estado gastar montanhas de dinheiro pagando benefícios e sustentando programas de assistência social. E isto tem funcionado até hoje.

A política agressiva para o pleno emprego também foi associada a uma doutrinação para louvar a poupança individual, algo que teve um efeito tremendo sobre a economia: na década de 1950, as famílias poupavam em média 10% de sua renda. Em 1970, as poupanças já correspondiam a 20% da renda familiar da imensa maioria das famílias e permaneceram neste patamar deste então. No Brasil, em pleno século XXI, 62% dos cidadãos não fazem qualquer tipo de poupança!.

Ao invés de utilizar os vastos recursos poupados para construir o sonhado “estado de bem estar social”, o governo fez com que bancos privados e instituições públicas como o Banco de Desenvolvimento Industrial canalizassem os pecúlios individuais para capitalizar empresas e negócios.

A ERA ABENOMICS

Foi apenas no reinado do Imperador Hirohito (1901-1989) que o Japão começou a experimentar alguma democracia. Todavia, até hoje, segue sendo uma monarquia constitucional unitária.

A política nacional é dividida entre seis partidos principais, mas o Partido Liberal Democrata (PLD) está no poder desde 1955 – com exceção de um curto período de coalização da oposição em 1993. Desde 2012, Shinzo Abe, líder do PLD, ocupa o cargo de Primeiro Ministro e é o Chefe de Governo ipso facto do Japão.

Apesar de se considerar um partido conservador e de direita, o PLD tem políticas estatizantes, assistencialistas e inclusivas que mais se parecem com o conhecido Progressismo de Esquerda, porém uma versão japonesa de “esquerda”.

O Japão possui um PIB per capta comparável ao dos EUA, mas nos últimos 20 anos sua taxa de crescimento econômico tem sido, digamos, “anêmica”. As taxas de natalidade também estão abaixo da média observada entre países desenvolvidos. Em 2012, para recuperar estes indicadores, o Primeiro Ministro Abe passou a defender um programa econômico apelidado de Abenomics. O Abenomics se sustenta em três flechas: flexibilização monetária, estímulo fiscal e reformas estruturais.

Seguindo as intenções de seu programa, uma das primeiras medidas de Abe foi baixar um pacote de estímulos da ordem de US$ 9 bilhões direcionados para gastos com obras públicas e financiamento de pequenos negócios.

Abe tornou o mercado de operadoras de saúde e de energia elétrica mais competitivos, abolindo o controle de preços e facilitando a contratação de pessoal. Contudo, simultaneamente, também estabeleceu uma meta para que, por volta de 2020, 30% de todas as posições de lideranças no Japão fossem ocupadas por mulheres. Além disso, o governo passou a minimizar nos livros escolares as atrocidades de guerra cometidas pelo Japão no passado.

Preocupado com o envelhecimento da população e a teimosia dos japoneses em fazer poucos bebês, Abe destinou milhões de dólares do orçamento público de 2014 para programas que auxiliavam japoneses jovens a encontrar cônjuges em potencial. O objetivo dos “Programas de Apoio ao Casamento” era reverter os baixos índices de natalidade. Os resultados ainda não apareceram, mas Abe segue torcendo por uma epidemia de barrigas grávidas.

O PESO DO CONFUCIONISMO 

Não é possível descartar que a eficiência japonesa deve muito a certas peculiaridades daquele povo e local: além de ser um arquipélago com centenas de ilhas atormentadas por erupções vulcânicas, tufões, terremotos e tsunamis, 90% da população japonesa pode ser considerada etnicamente pura e com uma grande homogeneidade religiosa e comportamental. Por exemplo: a maioria dos japoneses começa seu dia fazendo exercícios em público ou em casa, assistindo o mesmo programa de TV.

Ainda com relação ao comportamento, vale mencionar o peso da tradição cultural do Confucionismo. Os samurais eram leitores ávidos e professores dedicados do pensamento de Confúcio, e estabeleceram várias escolas e academias voltadas para esta filosofia no Japão. A maioria dos líderes da Restauração Meiji também possuía uma formação solidamente baseada nos preceitos confucionistas. Toda esta carga ética foi despejada na engenharia social promovida pelo Estado ao longo dos séculos XIX e XX, muitas vezes de forma sincrética ao Xintoísmo, a religião mais popular no Japão.

O Confucionismo nutre uma profunda desconfiança com pessoas motivadas apenas por seus auto-interesses. Para serem considerados legítimos, os interesses devem vir emoldurados com preocupações sobre as necessidades, as aspirações, os objetivos e os valores nacionais. É óbvio que isto resulta em quantidades enormes de hipocrisia. A natureza humana não é tão desprendida ou altruísta assim, e a empatia de nosso instinto coletivista só vai até certo ponto. Mas, no caso do Japão, as amarras morais do Confucionismo foram capazes de selar um excelente casamento entre Estado e Povo.

Um dos reflexos do Confucionismo pode ser percebido na arte japonesa de fazer negócios: uma verdadeira aula de paciência, polidez e relacionamento inter-pessoal. Quando empresários japoneses se sentam para conversar, eles não conversam exatamente sobre negócios. Fala-se sobre o tempo, a família, algumas honras do passado, alguns problemas do cotidiano e algumas expectativas do futuro – e quase nada de comércio.

Este estilo de tergiversação pode ser apreciado nos vários diálogos entre o líder Katsumoto e o capitão Nathan Algren, em O Último Samurai. O objetivo não é resolver coisa alguma, mas estabelecer confianças, entendimentos e interesses mútuos. Assim, quando houver um problema, você saberá onde ir, quem procurar e que tipo de solução esperar.

E O QUE DEVERÍAMOS APRENDER COM OS JAPONESES? 

Os japoneses não enxergam sua sociedade como um monólito cultural, mas como um caldeirão de tensões, imposições e conflitos. A pressão da seriedade com que eles encaram a vida está demonstrada nos índices de suicídios: o Japão sofre com uma epidemia de 18 suicídios por 100 mil habitantes / ano e é o 14º país com a maior taxa de suicídios em um ranking de 176 nações. Para efeito de comparação, o Brasil apresenta uma taxa de 6,5 suicídios por 100 mil habitantes / ano e ocupa o 106º lugar na mesma lista.

A despeito deste revés cruel da competitividade e dos rígidos padrões Morais japoneses (é complicado pensar que um Ministro de Estado brasileiro tiraria a própria vida por sentir-se embaraçado com escândalos de corrupção…), temos muito mais a aprender com eles do que a ensinar.

Nossa alegria e nosso samba produziram um país com o 79º IDH entre 189 nações, e o 12ª lugar onde mais se comete homicídios no planeta. Os japoneses ostentam um orgulhoso 19º lugar no ranking de IDH, com 0,909 pontos, e vivem em um dos 10 países mais seguros do mundo, com uma taxa de homicídios de 0,31 mortes para cada 100 mil habitantes por ano. Se isso não serve de alerta para “Ei! Aprenda com os Japoneses!”, então não sei o que mais pode chamar sua atenção.

Durante mais de 100 anos, os japoneses somaram planejamento centralizado com elevados investimentos estatais e altas doses de orgulho nacionalista, “auto-sacrifício”, pleno emprego e poupança. Apesar de a moda Libertariana que vem crescendo no século XXI achar difícil de aceitar, o keynesianismo japonês produziu resultados bastante palpáveis: em 1900, o Japão contava com 42 milhões de habitantes e um PIB anual per capta de US$ 1.135. O Brasil tinha 17 milhões e um PIB anual per capta de US$ 704.

Hoje, o Japão conta com 126 milhões de habitantes e um PIB anual per capta de US$ 42.800 (o 42º maior do mundo). O Brasil, com 208 milhões de habitantes, amarga um PIB anual per capta de US$ 15.600, o que nos confere a 110ª posição em uma lista de 229 países.

Em 118 anos, a população japonesa cresceu 3 vezes e viu seu PIB anual per capta aumentar 37 vezes. No Brasil, a população cresceu 12 vezes e vimos nosso PIB anual per capta aumentar apenas 22 vezes no mesmo período. Em outras palavras: cada vez que a população japonesa duplicava, isso se fazia acompanhar de um aumento de 12,3 vezes no PIB anual per capta. Cada vez que a população brasileira duplicou, isso resultou em um aumento de 1,8 vezes em nosso PIB anual per capta.

Os japoneses foram quase 7 vezes mais eficientes que nós ao empregar os recursos confiscados pelo Estado para gerar prosperidade nacional, e esta é uma aferição da diferença que existe entre um governo essencialmente Empreendedor e um governo intrinsecamente Assistencialista.

Descontadas as derrapadas à Esquerda do Primeiro Ministro Abe, a história do Japão é um relato extraordinário de negação do auto-vitimismo, desprezo pela futilidade, orgulho pelo suor do próprio trabalho, amor à eficiência, respeito à tradição e valorização dos laços interpessoais – todas estas, qualidades que andam muito em falta no Brasil do século XXI. Quantas gerações serão necessárias para que aprendamos a cultivá-las, tornando nosso país finalmente “um sonho intenso, um raio vívido, de amor e de esperança que à terra desce”?

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Fontes:

  • Bai Gao. Japan’s Economic Dilemma: The Institutional Origins of Prosperity and Stagnation. Cambridge University Press (2001).
  • Andrew Gordon. A Modern History of Japan: From Tokugawa Times to the Present.  Oxford University Press (2003).
  • Kenneth Pile. The Making of Modern Japan. Cengage Learning (1995).

6 COMENTÁRIOS

    • Jorge, não precisa muito para fazer este país funcionar, concorda? Força, Honra, Coragem, Disciplina… apenas requisitos básicos, nada muito caro.
      Esperamos que os demais conteúdos do site possam ser úteis e induzam à reflexão também.
      O Conhecimento muda você. E quando você muda, tudo muda.

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